terça-feira, 8 de junho de 2021

Mulheres no Esporte: o tabu e a história por trás da pouca representatividade feminina

Na contramão das estatísticas, projetos sociais e iniciativas individuais tentam driblar a falta de recursos públicos para aumentar o acesso das mulheres ao esporte


Sofia Peregrino 

Em: 25.05.2021

Fonte: globoesporte.com


Todos os dias, mulheres no mundo todo enfrentam obstáculos pelo simples fato de serem... mulheres. No esporte, não é diferente. A prática de exercícios físicos por mulheres no país é 40% inferior aos homens, segundo o relatório “Movimento é Vida”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – um indicativo de que o cenário esportivo ainda tem muita desigualdade de gênero. Um artigo complementar do relatório do PNUD explica a menor participação feminina no esporte e as possíveis soluções para reverter esse quadro.

 Por trás de todos os dados, números e pesquisas, temos histórias fortes, recorrentes e graves, como a de Gisele Vale, enfermeira obstetra:

- Eu já sofri um estupro na rua, isso acabou com meu psicológico. Buscar uma arte marcial me deu segurança, voltei a ter vida - desabafou.

 

Gisele faz parte de um grupo exclusivamente feminino reunido pela securitária e faixa preta Pricila Engelberg para encorajar mulheres que querem praticar o jiu-jitsu, mas não têm meios nem companhia do mesmo sexo.

 

Grupo de mulheres treinando jiu-jitsu
imagem:
democraciapopular.org.br

- Eu comecei o jiu-jitsu quando ainda era muito machista, quase não tinham mulheres, quase 90% homens e duas mulheres no tatame. Tinha o preconceito de ser faixa branca, eles não queriam treinar comigo. Você tem que dar a cara à tapa, mostrar que não é a força que vai garantir a finalização, mas a técnica - contou Pricila, sobre os treinos do jiu-jitsu entre homens e mulheres.

 A professora e pesquisadora da Unicamp, de Campinas, Helena Altmann é quem escreveu o artigo complementar “Atividades Físicas Esportivas e Mulheres no Brasil”. Ela lembra que na legislação brasileira, no período da ditadura militar, esportes como o jiu-jitsu já foram proibidos para mulheres.

 "Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país" (DECRETO-LEI Nº 3.199, DE 14 DE ABRIL DE 1941)

 Em 1965, o Conselho Nacional de Desportos deliberou:

 2. Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, pólo, rugby, hanterofilismo e baseball.

 Mas a história da legislação brasileira é só um indicativo da pouca quantidade de mulheres com acesso a atividades físicas e esportivas no Brasil. Vários recortes foram feitos nas pesquisas da Organização das Nações Unidas (ONU) para mapear a prática de esporte no país. Entre eles a renda - quanto menor o recurso financeiro, maior a diferença de participação esportiva por gênero.

 A cultura de não incentivar as mulheres aos esportes, principalmente coletivos, pode ser explicada inclusive pelo pouco acesso ao lazer devido às tarefas domésticas, que ocupam em média 20,5 horas semanais das mulheres, enquanto os homens gastam 10 horas por semana nas atividades de casa.

 A falta de segurança, o preconceito, a falta de incentivo nas escolas, todos esses são fatores que devem ser apontados quando se constata que o esporte no Brasil não tem o mesmo acesso por meninos e meninas. O relatório do PNUD indica uma urgência em se criar políticas públicas que possam permitir maior igualdade.

 - Em 2016, no município de Campinas, as pessoas matriculadas em projetos financiados com verba pública, aproximadamente 84% são meninos e os demais são meninas. A gente vê uma desigualdade de acesso grande. Seria necessária alguma política que conduzisse esse processo com inserção das meninas - disse Helena.

 Enquanto o país não conta com esse apoio político no Esporte, algumas organizações não governamentais, como Empodera - Transformação Social pelo Esporte, do Rio de Janeiro, estimulam a prática esportiva como uma ferramenta para discussões de gênero, fortalecendo meninas e mulheres.

 - Elas são agentes de transformação. A gente usa o esporte como meio de transformação da realidade - contou Jane Moura, presidente da ONG Empodera.

 Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas é um dos dezessete objetivos para o desenvolvimento sustentável de acordo com a cúpula das Nações Unidas. O esporte e a educação são ferramentas poderosas, mas o respeito certamente é a base de todo esse processo.

 


Sara Vieira e Joyce Vieira fazem parte da ONG Empodera
imagem:
globoesporte.globo.com


- Perguntaram na minha escola o que você quer ser no futuro. Eu queria praticar vôlei e seguir carreira. E ouvi: "mas você joga vôlei? Não sabia que mulher podia jogar vôlei". Eu parei e refleti: como assim mulher não pode jogar vôlei em pleno século XXI? Muitas vezes a gente escuta "esporte não é lugar de mulher". Esporte é lugar de mulher sim. Lugar de mulher é onde ela quiser - concluiu Sara Vieira, de 16 anos.


O que os fatos nos contam sobre a desigualdade de gênero no esporte

Mulheres vivem com constantes comparações e carregam “rótulo” de inferiores imposto pela sociedade 


Sofia Peregrino

Em: 25.05.2021

Fonte: www.torcedores.com


Ser mulher sempre foi um desafio. Pouca inserção no mercado, cargos e salários desiguais, além da falta de respeito com os inúmeros casos de assédio e violência. Esses são alguns dos muitos problemas que mulheres sofrem todos os dias ao redor do mundo. Avanços importantes estão sendo conquistados ao longo do tempo, porém ainda há muito a ser feito. Trago aqui uma reflexão com alguns fatos que ressaltam a necessidade de mudança

Historicamente, os esportes, principalmente os de forte contato físico, tiveram seu início sendo praticados somente por homens. Um fato sempre baseado numa crença de que as mulheres não tinham porte físico para praticá-los e que esses esportes “masculinizavam” os seus corpos. Apesar destes conceitos serem provenientes da Grécia Antiga, não precisamos voltar tanto a “máquina do tempo” para encontrar as consequências originadas por tais pensamentos. 

Durante o período de Ditadura Militar no Brasil, a legislação proibia que esportes fossem praticados por mulheres, em 1965, o Conselho Nacional de Desportos proibiu a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball. E durante 40 anos essa foi a realidade das mulheres brasileiras, até que a vigência de tal decreto fosse revogada em 1983

Com a globalização permitida pela internet, as mulheres estão ganhando mais espaço de fala na sociedade e isso tem “respingado” de forma positiva na indústria esportiva. O futebol, por ser o esporte mais popular, é o que oferece resultados mais palpáveis. O sucesso da Copa do Mundo na França em 2019 ou até mesmo a final do Campeonato Paulista Feminino do mesmo ano são dois ótimos exemplos do que está acontecendo, seja com uma “fotografia” global ou local desta evolução.

Final do campeonato paulista feminino

imagem: corinthians.com.br

No entanto, essas mesmas mulheres ainda convivem com constantes comparações e carregam o “rótulo” de inferiores imposto pela sociedade. É o caso da artilharia de Copas que gera bastante discussão entre os fãs de futebol. Cinco anos depois de Miroslav Klose atingir a marca de 16 gols na Copa do Mundo de 2014, Marta bateu o recorde na edição da Copa Feminina de 2019, com 17 gols.    

Marta bateu o recorde da edição da Copa Feminina de 2019
imagem: gazetaesportiva.com


Mesmo com os holofotes virados para a atacante após atingir a marca, a maioria dos fãs ainda defende Klose no posto de maior goleador. Nem futebol de alto nível apresentado pelas mulheres na edição passada do torneio mundial permitiu a elas serem vistas como iguais. 

Elas precisam de voz

Maya Moore é uma jogadora da WNBA que tem um currículo invejável. Bicampeã olímpica e campeã mundial pela seleção americana, ela ainda soma quatro títulos da WNBA com o Minnesota Lynx, sendo MVP da liga em 2014 e MVP das finais em 2013. Tudo isso sem falar em suas seis participações no All-Star Game. Porém, logo em seu auge, Maya resolveu dar uma pausa em sua carreira para ajudar um homem que ela acredita ser vítima de um sistema prisional racista no estado do Missouri, onde foi nascida e criada. 

Sua iniciativa de pausar a carreira foi com o intuito de causar impacto. E, de fato, a repercussão tomou proporções maiores fora dos Estados Unidos. Mas por que Maya teve que dar uma pausa em sua brilhante carreira para ter sua história ouvida e poder usar a influência para lutar em prol de uma causa? Todos os títulos que ganhou não foram suficientes? 


Bicampeã olímpica e campeã mundial Maya Moore
imagem:
pinterest.com

Mas então, a pergunta que fica é: o que fazer para conseguir minimizar a desigualdade de gênero no esporte?

Primeiro, temos que rever alguns conceitos, começando pelas comparações entre os gêneros não fazem sentido nenhum. Até porque os dois não competem entre si oficialmente. Não temos uma Copa do Mundo onde times masculinos e femininos se confrontam em campo. Por isso, é preciso descartar opiniões do tipo “Marta nunca seria artilheira se jogasse no masculino”.

O segundo é a valorização das atletas e de suas conquistas. Para promover o desenvolvimento, é preciso que o interesse de todas as partes exista. Não só das marcas ao patrocinar clubes e atletas, ou dos governos que devem incentivar a prática esportiva feminina, mas da imprensa, que deve e precisa ser um agente transformador da cultura de consumo dos produtos do esporte. 

E se você estiver se perguntando como “meros espectadores” também podem ajudar neste processo, é simples: incentive o esporte feminino. Assista aos jogos, dê visibilidade às atletas, compartilhe notícias sobre mulheres e suas conquistas e, o mais importante, mostre o respeito que as modalidades femininas merecem. 

O consumidor é a alma de qualquer negócio e com o esporte não é diferente. 

Mulheres no Esporte: o tabu e a história por trás da pouca representatividade feminina

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