Na contramão das estatísticas, projetos sociais e iniciativas individuais tentam driblar a falta de recursos públicos para aumentar o acesso das mulheres ao esporte
Sofia Peregrino
Em: 25.05.2021
Todos os dias,
mulheres no mundo todo enfrentam obstáculos pelo simples fato de serem...
mulheres. No esporte, não é diferente. A prática de exercícios físicos por
mulheres no país é 40% inferior aos homens, segundo o relatório “Movimento
é Vida”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – um
indicativo de que o cenário esportivo ainda tem muita desigualdade de gênero.
Um artigo
complementar do relatório do PNUD explica a menor
participação feminina no esporte e as possíveis soluções para reverter esse
quadro.
Por trás de todos os dados, números e pesquisas, temos histórias fortes, recorrentes e graves, como a de Gisele Vale, enfermeira obstetra:
- Eu já sofri um estupro na rua, isso acabou com meu
psicológico. Buscar uma arte marcial me deu segurança, voltei a ter vida -
desabafou.
Gisele faz parte de um grupo exclusivamente feminino
reunido pela securitária e faixa preta Pricila Engelberg para encorajar
mulheres que querem praticar o jiu-jitsu, mas não têm meios nem companhia do
mesmo sexo.
Grupo de mulheres treinando jiu-jitsu imagem:democraciapopular.org.br |
- Eu comecei o jiu-jitsu quando ainda era muito machista, quase
não tinham mulheres, quase 90% homens e duas mulheres no tatame. Tinha o
preconceito de ser faixa branca, eles não queriam treinar comigo. Você tem que
dar a cara à tapa, mostrar que não é a força que vai garantir a finalização,
mas a técnica - contou Pricila, sobre os treinos do jiu-jitsu entre homens e
mulheres.
A professora e pesquisadora da Unicamp, de Campinas, Helena Altmann é quem escreveu o artigo complementar “Atividades Físicas Esportivas e Mulheres no Brasil”. Ela lembra que na legislação brasileira, no período da ditadura militar, esportes como o jiu-jitsu já foram proibidos para mulheres.
Em 1965, o Conselho Nacional de Desportos deliberou:
2. Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, pólo, rugby, hanterofilismo e baseball.
Mas a história da legislação brasileira é só um indicativo da pouca quantidade de mulheres com acesso a atividades físicas e esportivas no Brasil. Vários recortes foram feitos nas pesquisas da Organização das Nações Unidas (ONU) para mapear a prática de esporte no país. Entre eles a renda - quanto menor o recurso financeiro, maior a diferença de participação esportiva por gênero.
A cultura de não incentivar as mulheres aos esportes, principalmente coletivos, pode ser explicada inclusive pelo pouco acesso ao lazer devido às tarefas domésticas, que ocupam em média 20,5 horas semanais das mulheres, enquanto os homens gastam 10 horas por semana nas atividades de casa.
A falta de segurança, o preconceito, a falta de incentivo nas escolas, todos esses são fatores que devem ser apontados quando se constata que o esporte no Brasil não tem o mesmo acesso por meninos e meninas. O relatório do PNUD indica uma urgência em se criar políticas públicas que possam permitir maior igualdade.
- Em 2016, no município de Campinas, as pessoas matriculadas em projetos financiados com verba pública, aproximadamente 84% são meninos e os demais são meninas. A gente vê uma desigualdade de acesso grande. Seria necessária alguma política que conduzisse esse processo com inserção das meninas - disse Helena.
Enquanto o país não conta com esse apoio político no Esporte, algumas organizações não governamentais, como o Empodera - Transformação Social pelo Esporte, do Rio de Janeiro, estimulam a prática esportiva como uma ferramenta para discussões de gênero, fortalecendo meninas e mulheres.
- Elas são agentes de transformação. A gente usa o esporte como meio de transformação da realidade - contou Jane Moura, presidente da ONG Empodera.
Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas é um dos dezessete objetivos para o desenvolvimento sustentável de acordo com a cúpula das Nações Unidas. O esporte e a educação são ferramentas poderosas, mas o respeito certamente é a base de todo esse processo.
Sara Vieira e Joyce Vieira fazem parte da ONG Empodera imagem:globoesporte.globo.com |
- Perguntaram na
minha escola o que você quer ser no futuro. Eu queria praticar vôlei e seguir
carreira. E ouvi: "mas você joga vôlei? Não sabia que mulher podia jogar
vôlei". Eu parei e refleti: como assim mulher não pode jogar vôlei em
pleno século XXI? Muitas vezes a gente escuta "esporte não é lugar de
mulher". Esporte é lugar de mulher sim. Lugar de mulher é onde ela quiser
- concluiu Sara Vieira, de 16 anos.
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